sábado, 5 de novembro de 2011

Perigosa tentação

"Casa da serra? Mas... Tudo bem, vamos." Concordei com a ideia que meu pai teve e entrei no carro. Concordei, mas só o fiz para não gerar outra confusão, eu sabia que aquilo nunca iria dar certo. Enfim, arrumei minhas coisas e fui.
Minha mãe, mais calada do que nunca, também entrou no carro e tratou de olhar a paisagem, as placas, o asfalto, as pequenas casas que insistiam em passar rapidamente, olhava para tudo, menos para nós. Era assim que ela brigava, silenciosamente. Vocês já pararam para pensar no caminho que o silêncio faz até chegar na parte qualquer do cérebro que nos faz sofrer? Bom, eu não sei precisamente, mas acho que ele atravessa por cada veia, cada artéria, incomoda cada célula do nosso corpo, e passa nos arranhando, nos cortando, fazendo doer regiões que nós nem nos dávamos conta da existência. Mas isso não importa, a dor não importa, não para nós.
Continuamos calados e aquilo começou a me enlouquecer. Eu sempre gostei dos sons, da música, de imaginar cada palavra derreter e escorrer pelo canto da boca de quem fala cuidadosamente, ou sair como um vômito da boca dos impulsivos.
Aquele silêncio me trazia ímpetos suicidas. Eu queria morrer, queria fugir do mundo, pular daquele carro, queria qualquer coisa que me tirasse dali. Suicídio. Eu acho que sempre tive esse instinto, ou simplesmente era covarde demais para enfrentar meus problemas, não sei. É fácil demais julgar fraco aquele que escolhe por encerrar sua vida, mas é uma tentação, é quase impossível não pensar nisso, não imaginar o drama, a carta-despedida, a culpa que assolará cada um ao passar dos anos. Essa é, porém, uma tentação perigosa, decidir pelo fim de tudo não é fácil e eu já tinha desistido tantas vezes que aquela parecia ser a hora.
Resolvi esperar por uma última conversa, alguma coisa que pudesse vir deles, qualquer coisa. Nada. Comecei a cantar e minhas palavras se perdiam no ar, assim como se perdem as nossas chances quando deixamos para depois. Eu não sabia o que fazer, todas as coisas apontavam para uma só decisão, tudo parecia gritar para que eu fizesse aquilo e fim. Eu não o fiz e só Deus sabe que eu precisei ser muito forte para não abrir aquela porta e pular, dar adeus e me livrar daquilo.
Até hoje não sei o que me fez desistir, só sei que, ao chegar na casa da serra, eu desci do carro e sabia que a minha tentação tinha sido atropelada em algum lugar do caminho, eu não podia ver, mas sabia que aqueles pneus estavam manchados do sangue que eu não derramei. Fui para a casa embaixo de uma leve chuva, olhei para trás e pude ver que, ainda dentro do carro, meus pais se olhavam e se comunicavam, mesmo naquele silêncio amargo, acredito que a ausência de palavras às vezes cai bem. Talvez tenha sido isso que me livrou da morte, talvez o silêncio tenha me segurado ali, como se ainda houvesse esperança de qualquer coisa.
Não sei o que meus pais conversaram, entrei na casa e comecei a escrever, colocar pra fora tudo que me ligasse àquele instinto, porque a tentação, meus queridos, essa eu sei que não vai me largar e talvez eu não queira porque é ela que mantem meus olhos abertos, ela que me faz querer respirar. Perigosa essa tentação que me faz querer morrer, que, ao contrário do que se espera, me liga à vida e me faz esperar sempre um pouco mais de tudo. Um pouco mais de todos. Perigosa mas cada vez mais minha, mais parte de mim.