segunda-feira, 16 de maio de 2011

Mais uma dose

Eu bebo do seu veneno e fico parada, esperando que ele se misture com meu sangue e eu possa continuar fingindo que nada aconteceu. Aqui, estática, posso ver os seus movimentos, posso ver que você me olha pelo cantinho desse seu olho mais profundo que o Pacífico, que parece que vai me afogar a qualquer momento. Do meu ângulo posso ver todos os seus sorrisos, escutar suas piadas, sentir o seu abraço. Mas eu não existo. Eu não existo porque a cada gole desse veneno, torno-me um pouco mais invisível e já foram tantos litros que sumi.
Não te culpo por essa minha palidez, a vida fez questão de mostrar os bônus de ser invisível. O veneno já não demora a fazer parte do meu sangue e a concentração é cada vez maior, torno-me cada vez menos frágil, menos sucinta aos seus ataques, seu soro.
Talvez o mais difícil seja encarar as pessoas para as quais ainda existo, ninguém vê que tudo isso serve-me de fortificante, que cada vez que endureço, chego mais perto da felicidade. Minha invisibilidade incomoda essas pessoas, mas não as entendo, está tão confortável aqui. Sem eles, sem você.
Assim como a mentira, que contada várias vezes torna-se verdade, tomo esse veneno como quem toma água, pois ele já faz parte de mim. Bebo, sem pena de mim, sem pena de você ou de qualquer outra pessoa. Sigo, envenenada e sorrindo, para qualquer lugar bem longe daqui. Procuro outras pessoas, outros sonhos e outros goles de outros venenos, porque o seu já não faz mais efeito. Adeus.